segunda-feira, 9 de junho de 2014

Assessores e ex-deputado revelam como funciona esquema de corrupção

MAIS UMA VEZ UMA CIDADE MARANHENSE É CITADA EM REDE NACIONAL POR CONTA DA CORRUPÇÃO........ SÃO PEDRO DA ÁGUA BRANCA







Fantástico mostra um retrato contundente da corrupção no Brasil, nas
palavras de gente que conhece por dentro as tramoias da política.

Quanto custa eleger um candidato na base da desonestidade, da troca de
favores?
O Fantástico mostra um retrato contundente da corrupção no Brasil, nas
palavras de especialistas. Gente que conhece por dentro as tramoias da
política.
Guarde bem este nome: Cândido Peçanha. Um deputado eleito
democraticamente que faz tudo pelo poder. “A compra do voto no dia da eleição
sai a R$50, o voto”, afirma.
Não tem honra. “Político não tem remorso. Político tem conta bancária”,
destaca.
Não sabe o que é ter escrúpulos. “Existem várias formas de desviar
dinheiro público”, revela.
Você saberá tudo sobre esse político. Só não vai conseguir ver o rosto,
porque Cândido Peçanha não existe na figura de uma pessoa só. Cândido Peçanha é
um personagem criado pelo juiz de direito Marlon Reis para o livro "O
Nobre Deputado".
“É a representação de parlamentares que existem, que ocupam grande parte
das cadeiras parlamentares do Brasil e que precisam deixar de existir”, afirma
Marlon Reis, juiz de direito.
Para criar o personagem, o juiz Marlon Reis ouviu histórias reais de
mais de 100 pessoas que transitam no mundo político. Entre elas, um ex-deputado
federal que vai se candidatar novamente nessas eleições.
“Não precisa fazer muita coisa para ter o voto porque a população não
tem força nem segurança para contestar nada”, destaca o ex-deputado.
E dois assessores parlamentares, que o Fantástico ouviu com
exclusividade.
Assessor: Durante muito tempo fui militante político, desde cabo
eleitoral, assessor, faz tudo.

Fantástico: E fazer tudo era também intermediar algumas coisas, a pedido dos
políticos, desonestas?

Assessor: Quando necessário.
Eles revelam o ‘bê-a-bá’ da corrupção. Tudo com garantia do anonimato.
Fantástico: O senhor decidiu denunciar por quê?

Assessor: Veja bem, se você for no interior, muitas crianças passando fome,
casas de taipa, estradas sem asfalto. Isso indigna a gente. Sempre tive
consciência disso. Só não podia denunciar. Quem denuncia, morre. Nego mata aí
brincando.
Com base nesses depoimentos, o juiz, que foi um dos principais
defensores da “Lei da Ficha Limpa”, conseguiu descobrir como nasce, cresce e se
perpetua um corrupto na política brasileira.
Tudo começa na eleição. E para ganhá-la é preciso ter dinheiro. Muito
dinheiro.
“Para ser eleito é preciso pagar, comprar apoio político, e que é essa a
base dos gastos de campanha”, afirma Marlon Reis.
Uma gastança que faz do Brasil um recordista mundial: proporcionalmente
à riqueza do país, aqui são feitas as campanhas mais caras do planeta.
Nas últimas eleições, em 2012, os gastos ultrapassaram R$ 4,5 bilhões. E
tem mais: das cinco maiores doadoras de campanha, três são empreiteiras. Mas
também há quem levante dinheiro por baixo dos panos.
“Todos os entrevistados mencionavam sempre que é a agiotagem. O uso da
agiotagem como fundo de dinheiro para política, que me surpreendeu”, ressalta o
juiz.
Isso significa que candidatos - como o “Cândido Peçanha” - recorrem até
a empréstimos ilegais. O pior é que tudo terá que ser pago depois da posse.
Assessor: Ele entra no mandato endividado. Ele precisa do dinheiro.

Fantástico: Mas como ele faz para pegar esse dinheiro e jogar na mão do agiota
sem ser notada a falta do dinheiro no cofre?

Assessor: Existem várias maneiras de fazer isso.
Segundo o assessor, um dos alvos é o dinheiro para a educação.
Assessor: O cara saca o dinheiro e entrega para ele. Normal.

Fantástico: Mas não teria que sacar e comprovar onde gastou?

Assessor: Para quem?

Fantástico: Para a Câmara dos Vereadores.

Assessor: Como assim, se os vereadores são cúmplices?

Fantástico: Ou, se for o governador, para a Assembleia Legislativa.

Assessor: Que também é cúmplice.

Fantástico: Mas tem o Tribunal de Contas do Estado.

Assessor: Que também é cúmplice.

Fantástico: O senhor quer dizer que todos são envolvidos?

Assessor: Cúmplices. Todos são. É uma máfia.
Para as empreiteiras, são criadas licitações fraudulentas, obras
superfaturadas.
"As empresas, elas não doam. Elas antecipam um dinheiro que será
depois obtido e multiplicado por muitas vezes através de contratos dirigidos e
direcionados", explica Reis.
Um estudo do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro
(Iuperj) revelou quanto as 10 maiores doadoras de campanha no Brasil em 2010
lucraram nos dois anos seguintes em contratos com o governo eleito: um valor 20
vezes maior do que foi doado.
“Uma relação de causa e efeito entre o ato de doar e o que pode vir
depois, contratos com poder público”, diz Carlos Velloso, ex-presidente do TSE.
Com os agiotas o retorno é mais direto e danoso.
"Aparenta uma doação mas, na verdade, é um empréstimo que será pago
a duras penas pela sociedade. Incrível o que eles relatam: 10% a 20% ao mês de
juros", detalha Reis.
“O agiota recebe o cheque da conta pública. É um sistema perverso, quem
paga é a população, não é o prefeito”, afirma o assessor.
Os moradores de São Pedro da Água Branca, no sul do Maranhão, sentem na
pele os efeitos da falcatrua.
“No momento, aqui tá faltando um bocado de coisa. Tá faltando a merenda
dos meninos que estão cobrando de nós e não temos”, conta Francisca Isaura
Araujo, zeladora de uma escola.
Um levantamento feito por cinco escolas do município de São Pedro da
Água Branca revelou que em 2008 houve a maior evasão escolar do estado do
Maranhão. Naquele ano de eleições municipais, 35% das crianças abandonaram as
salas de aula porque não tinham o que comer na hora do recreio. Ou seja: um
terço dos alunos simplesmente deixou de estudar. De acordo com a denúncia do
Ministério Público, acatada pela Justiça, o dinheiro que era da merenda
escolar, que deveria ser gasto nas cantinas das escolas, foi usado para comprar
votos.
“As investigações conseguiram demonstrar que foram feitas diversas
transferências bancárias com recursos públicos para conta da campanha”,
ressalta a promotora Raquel Chaves Duarte.
O Fantástico foi atrás do ex-prefeito Idelzio Oliveira, o Juca, mas não
o encontrou. Ele também não foi encontrado pelo oficial de Justiça que há duas
semanas tenta informá-lo da condenação: nove anos e seis meses de cadeia.
“Tem vez que passa semana aqui sem merenda”, revela o estudante Emerson
Conceição.
“A gente não estuda direito com fome”, afirma o estudante Artur Coelho.
Como a despesa costuma ser grande, depois de eleito o Cândido Peçanha já
pensa nos gastos da próxima eleição.
Fantástico: O que custaria uma reeleição de deputado federal?

Assessor: Acima de R$ 5 milhões.
Uma fortuna que ele começa a levantar com antecedência. Segundo o juiz
Marlon Reis, a maior parte do dinheiro desviado sai de emendas parlamentares. É
como deputados e vereadores destinam parte do orçamento público para obras
indicadas por eles.
"Eles vinculam a destinação da emenda à retenção de uma importante
parcela do valor daquela emenda. Uma porcentagem que, segundo todas as minhas
fontes, é de no mínimo 20%. E que pode chegar a parcelas bem maiores de 30% e
até 50%", explica Reis.
Assessor: Os deputados que eu conheço, todos pegam retorno das suas
emendas. Se ele põe R$ 1 milhão, na faixa de uns R$ 300 mil fica para a
campanha do deputado.
Segundo o autor do livro, mesmo depois de desfalcada pela parte que vai
pro bolso do parlamentar, a verba ainda sofre outras perdas.
"O desvio é feito de duas formas. Uma: o superfaturamento da obra
que é apresentada um valor maior do que realmente deveria ter. Ou então com a
execução da obra em padrão distinto daquele tecnicamente definido. Além de
superfaturar, ainda se constrói abaixo dos requisitos técnicos", observa
Reis.
“Muitas vezes isso é disfarçado de obras que parecem legítimas, sem que
saibamos como a obra foi feita. Possivelmente com irregularidade e falhas
técnicas”, ressalta o procurador geral eleitoral de Santa Catarina André
Bertuol.
A rua Angelo Vanelli virou o principal endereço do esquema de corrupção
descoberto em Blumenau. Um símbolo da troca de obras de ocasião por votos. A
rua foi asfaltada às vésperas da última eleição municipal, sem qualquer
planejamento. O asfalto foi literalmente jogado. Uma camada tão fininha que dá
até para tirar com a mão. Não resistiu às primeiras chuvas. Foi essa rua que
abriu caminho para a investigação do Ministério Público, que levou à cassação
de cinco vereadores, um quinto da Câmara Municipal.
O único dos cinco vereadores cassados que o Fantástico conseguiu
encontrar estava trabalhando. O ex-vereador Celio Dias voltou a ser guarda
municipal, ironicamente um “agente da lei”.
“Acordo de manhã cedo, vou dormir com a cabeça muito tranquila porque
sei que não fiz nada de errado e que sou um injustiçado nesse processo”, conta
Celio Dias, ex-vereador e guarda municipal.
Quem pode julgar o discurso dos políticos e comparar com a realidade é o
eleitor.
“Muitas vezes, o sujeito está reclamando de certos políticos aí, seja no
Congresso, seja no Executivo, e eu costumo dizer: ‘Mas ele não está lá de graça
não. Fomos nós que os colocamos lá’”, revela Carlos Velloso.
O ex-presidente do Tribunal Superior Eleitoral orienta: “Eleitor,
examine a vida pregressa do seu candidato. Tem gente honesta, sim, aí. Agora,
tem os aproveitadores. Exatamente esses é que precisam ser banidos da vida
pública”.


Aproveitadores como Cândido Peçanha, que graças ao voto consciente pode
um dia se tornar apenas um personagem de um livro de ficção.

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